sexta-feira, 6 de março de 2009

Eu não sei como ele espirra ou como é que ele coça a barba quando está crescendo. Eu não sei qual é o cheiro de suas têmporas, nem em quantos segundos ele vira um copo com água. Se para na metade do copo para respirar. E, se para na metade, se coloca o copo de volta na pia. E, se coloca o copo de volta na pia se me comeria ali mesmo, antes do segundo gole, se por acaso eu me enfiasse entre ele e a pia, entre ele e o copo, entre ele e a sede, entre ele e a fome. São coisas que eu nunca soube a seu respeito. Mas, todos os dias, ele é comido pelo meu desejo. Não é um desejo de joelhos, pulsos e cotovelos. É um desejo encefálico que se transfigura em fálico. É a sua inteligência que eu tenho vontade de chupar para dentro da minha. O que eu sei a seu respeito é só um pedaço de ombro, braço, rosto e pescoço. E é esse pedaço que eu desejo. Existem olhos que não são quaisquer olhos e são esses que estou indo encontrar. Existem olhos que são úmidos de oceano e eu aqui, olhando o nada. Nessa poltrona que eu olho os meus olhos não encostam, eles atravessam o tecido, sem rasgar ou ferir, eles atravessam o céu sem perfurar estrelas fincadas. Deve ser nessa hora, quando o nosso olhar se perde, que enxergamos a morte. A morte o tempo todo nos rondando, uma fera que se alimenta dos restos de segundos que largamos para trás, para que assim ela aceite não nos matar. É a vida quem alimenta a morte até o segundo insustentável. Eu não sei em quantos segundos a morte vira um copo de água ou se ela me comeria ali mesmo em orgasmos agudos que me doem por dentro da vida. E quando eu olhar nos olhos dele? E quando eu tirar a máquina de suas mãos, com urgência, a sua roupa, o seu medo, beijar a sua boca, a morte nos rondando, engolindo os nossos segundos e arrotando todo esse tempo que estivemos longe, e quando eu puxar para perto e ele estiver por dentro, e quando eu tocar a sua língua com a minha e nascerem árvores de plástico como é que vai ser? Será que o mundo vai tampar os ouvidos? Será?